A produtização ainda vai matar a arte?
Ou a gente já passou do ponto e só não percebeu?
Nos últimos tempos, me converti em um hater da Netflix.
Quando alguém me indica um filme e diz “é da Netflix”, eu entorto o nariz e, quase sempre, me arrependo de dar o play.
Ultimamente, esse sentimento tem se estendido para as séries.
Não sei você, mas a impressão que tenho é que o verdadeiro produto da Netflix não são os filmes nem as séries.
É o catálogo.
Um feed infinito que serve mais pra te manter scrollando por pôsteres e trailers automáticos do que pra te entregar algo que de fato mereça sua atenção.
É como se a plataforma não vendesse histórias. Vendesse a eterna promessa do seu próximo entretenimento.
Mas é justamente aí que mora o problema.
Porque, quando o foco é manter o feed sempre alimentado, não importa se a história já acabou. Ela precisa continuar.
E se não dá pra continuar com lógica, tudo bem. Continua por conveniência.
De certa forma, senti que isso aconteceu com La Casa de Papel.
A primeira fase da série deixou tudo claro: a proposta, os personagens, o tom — era um plano com começo, meio e fim.
Bem formatado, bem entregue.
Quando assisti, fiquei tão fascinado com a série que escrevi uma análise sobre como a construção de marca, marketing e storytelling trabalharam juntos em La Casa de Papel — para levá-la do anonimato para o sucesso mundial (você pode ler aqui).
Mas aí a Netflix entendeu o tamanho da coisa.
E decidiu que aquilo ali não podia acabar.
Transformou La Casa de Papel em uma megaprodução, mas também em um produto que repetia a si próprio.
O final, pra mim, foi frustrante. Mas foi um final.
Um desfecho coerente com tudo que a série construiu, ainda que previsível e cansado.
O que ficou mais cansado ainda foi o spin-off, Berlin. Mas o algoritmo pedia e a Netflix entregou.
Perdeu ainda mais força, mas não chegou a comprometer a série original.
Agora, Round 6…
O buraco é bem mais embaixo.
Porque a primeira temporada foi épica.
Crítica, simbólica e ousada na dose certa. Parecia feita por alguém que tinha algo a dizer e sabia exatamente como dizer, mesmo que a proposta não seja 100% original.
Uma série coreana que tinha coragem, estética e propósito, com um roteiro que sabia a hora de desacelerar e a hora de te deixar sem ar.
Aí veio a terceira temporada.
E ficou claro que a primeira era muito melhor do que eu lembrava.
A terceira temporada tinha tudo pra ser o fechamento épico de uma trilogia. Mas preferiu ser a porta entreaberta pra alguma coisa que talvez aconteça, talvez não.
Round 6 virou produto.
E o problema de um produto não é existir. É quando ele esquece que nasceu de uma história e começa a existir só para continuar existindo.
A segunda temporada terminou com uma promessa: um conflito gigante, visceral, quase impossível de ser resolvido.
Foi resolvido (ou pulado) no apagar das luzes até a 3ª temporada.
O protagonista, que antes movia tudo com sangue nos olhos, fica anestesiado e se torna uma peça simples demais pra poder dar o desfecho que eles queriam.
Lembra dos filmes do Batman do fim dos anos 90?
Naquela época, eles se tornaram grandes trailers pra vender bonecos. Toda a estética, o roteiro e até os vilões pareciam pensados menos pra contar uma história e mais pra encher prateleiras.
Round 6 virou isso.
Não precisa mais ter coerência. Precisa ter bonecos — no caso, possíveis spin-offs.
Spin-off com o vilão.
Spin-off em outro país.
Spin-off porque o algoritmo aprovou.
É uma história que deixa de existir por si só — e passa a funcionar como trailer do que ainda pode vir.
E isso, pra mim, é o que mais cansa. Porque não é só Round 6.
De certa forma, a gente viu isso quase acontecer com Coringa.
Depois da bilheteria do primeiro filme, veio a necessidade de uma continuação.
A sorte é que o Todd Phillips entendeu o que estava prestes a acontecer.
Tentou desviar: deu um nome francês pro novo filme (Folie à Deux), evitou o termo “Coringa 2”, deixou claro que não era uma sequência linear.
E de certa forma, transformou a sequência em uma crítica a essa produtização.
Foi massacrado pela crítica e virou fracasso de bilheteria, mas ainda acredito que esse filme vai ganhar mais valor com o tempo.
Foi mais corajoso que muita coisa que insiste em continuar apenas porque pode continuar.
Talvez a pergunta mais honesta não seja se a produtização vai matar a arte.
Talvez a gente precise perguntar se ela já matou, e a gente só não percebeu.
Ou percebeu, mas está ocupado demais tentando decidir o que assistir em um feed infinito de promessas não cumpridas.
Será que só eu tenho sentido isso?
Ou você também já começou a desconfiar toda vez que vê uma “nova temporada confirmada” ou “continuação” confirmada?
Um abraço e até a próxima,
P.S.: Não sei você, mas já estou temendo pela continuação de Ted Lasso por aqui. O desfecho da série foi perfeito, mas decidiram que precisa de uma continuação. Agora, é esperar pra ver se vão transformar o Ted num boneco com bigode e bordão vendável. Tomara que não.
Concordo demais com tudo o que você falou, Dimi!
Acho que a grande maioria das séries poderia ter um bom desfecho em uma ou duas temporadas.
Particularmente, eu gostei do desfecho do protagonista de Round 6. Na minha opinião, saiu do óbvio e entregou um pouco de drama. Mas o problema foi o caminho até lá... tantas decisões e acontecimentos ilógicos, pareciam estar subestimando o espectador.
Agora, sobre o final com a mensagem de que pode haver alguma continuação... não vou nem comentar hahaha
Ps: Estou com medo do que vai acontecer com Ruptura, apesar de não ser da Netflix.