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Contemple o Caos (e a Síndrome do "Vem Aí")
No último fim de semana, decidi rever o filme CODA, batizado de “No Ritmo do Coração” aqui no Brasil e vencedor do Oscar de melhor filme no ano de 2022.
Naquele ano, ele concorreu com “Belfast”, “Drive My Car”, “Ataque dos Cães, Licorice Pizza” e outros. Confesso, não era meu favorito da lista.
Isso porque é um filme mais simples e com alguns clichês, sem um toque tão inovador assim, sem grandes reviravoltas e sem pirotecnias.
Talvez por influência do “Meu Pai” e “Parasita”, que foram destaques nos anos anteriores, “No Ritmo do Coração” não me pareceu um filme digno de Oscar em um primeiro momento.
Mas preciso te dizer que ganhou vários pontos comigo nesse último fim de semana.
Nessa simplicidade dele, alguns toques ajudaram a construir o conflito perfeito e, desse conflito, nasceram algumas cenas que são um espetáculo à parte no filme.
Essas cenas isoladas bateriam vários dos concorrentes na lista de potenciais melhores filmes.
Já vamos falar sobre elas por aqui, mas vale relembrarmos antes:
Como construir o conflito perfeito
No maravilhoso livro “Story”, do Robert McKee, o conflito é dividido em basicamente três níveis.
De forma bem resumida:
Conflito interno: desafios e lutas pessoais;
Conflito externo: enfrentando situações exteriores ao personagem e, talvez, um antagonista;
Conflito extra-pessoal: contra entidades e situações injustas, que ferem a ordem natural e podem trazer um tom filosófico à história.
Uma história que segue a Jornada do Herói como um checklist, por exemplo, corre o risco de trazer apenas um conflito externo — com o protagonista vivendo simplesmente uma jornada externa.
Nesse caso, os três atos da história acabam reduzidos meramente a início, meio e fim; o arco do personagem principal é completamente ignorado e não há transformação alguma.
Sem essa transformação, temos uma espécie de Jornada Estática: um protagonista imutável que chega no último ato exatamente como começou e, portanto, é incapaz de inspirar qualquer mudança por parte do público.
Quando temos um conflito interno e um externo, melhoramos um pouco mais os ingredientes para uma boa história.
Mas é adição do conflito extra-pessoal que, geralmente, leva a trama para outro nível. Como já vamos ver, você pode encontrar os três níveis em “No Ritmo do Coração”.
O conflito precisa ser personalizado (para o protagonista e para o contexto)
Discutir qual vem primeiro (contexto, protagonista ou conflito) seria entrar numa discussão de ovo ou galinha.
O ponto é: quanto mais esses elementos conversam, mais específica e mais forte será sua história.
Vamos supor que a personagem principal tem o grande sonho de investir numa carreira musical como cantora.
Se ela tiver pais artistas que a apoiem e um professor disposto a treiná-la nas horas vagas? Fim da história.
Ela terá todo o suporte possível logo de cara e duvido que uma trama assim te segure na cadeira por 2 horas.
Se ela tiver pais conservadores que não apoiariam uma carreira artística, melhora bastante.
É o caso do clássico “Billy Elliot”: filho de um mineiro, ele quer aprender a dançar balé, mas seu pai é do tipo que somente aceita seu filho lutando boxe — até vê-lo dançar.
Mas e se o pai não pudesse vê-lo dançar?
E se, além disso, a família dependesse dele a ponto de comprometer uma possível vida longe da família?
No Ritmo do Coração
O filme conta a história de Ruby, a única pessoa de sua família que consegue escutar. Seu pai, sua mãe e seu irmão são surdos não oralizados. Então, ela cresce atuando como intérprete da família e, em várias situações, desde novinha, ela precisa cuidar dos seus pais quando o natural seria o contrário.
Seu grande sonho é ser cantora e fazer faculdade de música em outra cidade. Mas, por mais que ela tenha um professor disposto a ajudá-la, sua família não consegue entender esse sonho tão fácil. Numa cena, sua mãe chega a lhe perguntar “se eu fosse cega, seu sonho seria ser pintora?”.
Além da dificuldade de compreender, tem a questão da dependência: quando sua família decide investir num negócio de pesca, então, Ruby se torna ainda mais necessária para intermediar a comunicação.
E tem a questão de tempo: como lidar com o ensino médio, as questões da adolescência e ainda correr atrás de um sonho com tantas responsabilidades nas costas?
Pronto. Conflitos internos, externos e extra-pessoais checados e marcados em negrito — logo na sinopse.
Mas o ponto-chave de tudo é: como Ruby poderia convencer seus pais a apostarem em seu sonho e abrir mão da presença da filha no dia a dia — se eles sequer conseguem ouvi-la cantar?
Depois de criar, como resolver o conflito?
A resposta, como não poderia ser diferente, vem da música. Mas não de uma forma tão óbvia assim.
Primeiro, seus pais e irmão comparecem em um show de talentos de sua escola para vê-la cantar. Numa transição genial, a cena tem o áudio cortado para nos colocar no lugar da família e fica bem mais difícil acreditar no dom de Ruby assim. [veja aqui]
Depois, seu pai, Frank, lhe pergunta sobre o que era a música que ela cantou.
Ela diz que é sobre amar e depender de alguém, e ele pede que sua filha cante a música novamente — à capella mesmo, com os dois sentados na traseira da caminhonete sob as estrelas.
Naquele momento, Frank tenta entender a paixão da sua filha, se ela é mesmo boa ou não e, principalmente, se ele a deixa partir para apostar na música.
Seu pai coloca a mão em seu pescoço para testemunhar melhor ela cantando e, então, acompanhamos toda a evolução em seu rosto.
Da estranheza da incapacidade de entender, à surpresa de contemplar algo inacreditável, à ternura com toques de orgulho, amor e tristeza do pai que, agora, confia no sonho da família. Mas sabe que isso significa ter que deixá-la ir embora.
Pouco mais de um minuto para solucionar o conflito perfeito, numa cena que vale mais que vários filmes inteiros.
E a letra de “You’re all I need to get by” é a cereja do bolo pra fechar, com perfeição, uma cena digna de Oscar e de ficar marcada muito tempo na memória de quem assiste ao filme.
“With my arms open wide, I threw away my pride. I'll sacrifice for you, dedicate my life to you. I will go where you lead, always there in time of need, and when I loose my will you'll be there to push me up the hill.
There's no looking back for us, we got love sure enough. That's enough. You're all, all that I need to get by.”
Tradução livre: Com meus braços abertos, joguei fora o meu orgulho. Eu me sacrificarei por você, dedicarei a minha vida a você. Eu irei onde você indicar, sempre presente quando precisar, e quando eu perder a minha motivação e minha vontade, você estará lá para me empurrar montanha acima.
Não olharemos para trás, temos amor de sobra. Isso basta. Você é tudo, tudo que eu preciso para seguir em frente.
Quando decidi rever “No Ritmo do Coração” e “Billy Elliot” no fim de semana, tinha outro objetivo em mente. Esse texto veio como um bônus.
Para as alunas e os alunos do curso de Escrita Criativa e Storytelling, um spoiler: em breve, terá uma novidade por lá que tem tudo a ver os dois filmes e também com “Coringa”, “Frozen”, “Brokeback Mountain” e mais alguns.
Alguém arrisca um palpite?
Só adianto que não tem nada a ver com conflito. 🤐
Porque a aula em que falo sobre isso continua impecável.
Tem um atalho muito útil desconhecido por várias pessoas no Windows. Você sabia que existe um histórico das últimas coisas que você copiou?
Digitando Windows (bandeirinha) + “V”, você terá acesso a todos os seus últimos “ctrl + C” e isso pode te poupar um tempo inimaginável.
Você pode, inclusive, fixar alguns itens ali que usa com mais frequência.
Me lembrei disso porque acabei de incluir o emoji 🤐 à minha lista de emoj fixados.
Outra informação que sempre deixo disponível ali são os códigos hexadecimais das cores que mais uso. Ter isso disponível em um clique ajuda demais no dia a dia.
1. Para onde vai a chama da escrita quando ela se apaga? A Bruna Cosenza escreveu uma bela reflexão sobre escrever e produzir tanto no dia a dia, que parece faltar energia para os textos mais pessoais. [Leia aqui]
2. Essa última edição da
, escrita pelo , pode te fazer chorar. [Leia aqui]3. Você conhece alguém com um vício de linguagem por influência de outro idioma? Não tô falando dos marketeiros repetindo budget e call por aí não, mas de vícios um pouquinho mais complicados. Como esse que a Djane Fernandes contou que desenvolveu ao estudar… russo. [Leia aqui]
4. O Erih Carneiro, meu sócio na Gombo, começou a semana todo emocionado perguntando onde estavam os aplausos pra ele, agora que ele se tornou oficialmente um “Meio Maratonista”. Respondi que, por enquanto, tem só meia palma; a palma mesmo vem quando ele virar Maratonista 🥁🥁. [Leia aqui]
5. O RD Summit 2023 anunciou alguns novos convidados pro evento usando uma referência musical que vai denunciar sua idade. Certamente, denunciou a minha. [Veja aqui]
Essa edição tá muito boa. Falou de conflito, dicas de agilidade no pc, Erih meio maratonista. Gostei de ver a ecléticidade dessa edição 🎉
Não vi esse filme, mas pela sua explicação é claramente muito semelhante ao filme francês A Família Bélier, esse vi e gostei bastante, tem um pouco daquele humor duvidoso que só os franceses sabem fazer e que gosto até.