Edições anteriores da Escreva sua Marca:
Existe valor no que não se encaixa (mesmo que quebre)
A call que me lembrou por que amo contar histórias 📹
Já virou parte do cotidiano.
Quase todo dia, me deparo com um post revelando que o autor usa IA para escrever e, na sequência, ele te entrega seu valioso prompt para você replicar.
Comente PROMPT para se tornar uma cópia da cópia.
Antes que você torça o nariz, deixa eu dizer logo: não sou negacionista da IA.
Seria loucura negar uma ferramenta que pode mudar nossa rotina como ela.
Especialmente se você cria conteúdo, ignorar a IA é recusar um atalho por orgulho.
Só tem uma coisa que precisa ser dita com mais força:
Todo atalho cobra seu preço
Se você é CEO de uma empresa e acha que “escrita é só um meio”, tudo bem.
Você pode falar como uma máquina.
Pode soar profissional.
E talvez, até funcione.
Apesar do risco de se comunicar como milhares de outras pessoas que terceirizaram a voz como você.
Agora, se você é escritor, criador de conteúdo, roteirista, copywriter ou qualquer pessoa que dependa da escrita como parte da própria identidade...
Terceirizar seu processo de escrita pode significar abrir mão da sua própria voz.
Um dos meus autores preferidos tinha um hábito peculiar.
O Hunter S. Thompson reescreveu palavra por palavra o “Grande Gatsby” do Fitzgerald e “Adeus às Armas” do Hemingway.
Não pra copiar, mas para entender, sentir o ritmo da frase nos dedos e ter a sensação de como seria escrever aqueles livros que ele tanto amava.
Quando soube disso, imitei seu processo.
Não cheguei a reescrever nenhum livro na íntegra, mas reescrevi várias das minhas passagens preferidas à mão.
Hoje, o escritor especialista em IA diz que já encontrou sua própria voz, abre o ChatGPT e diz:
“Escreva como Fitzgerald, com um toque de Hemingway e o tom pausado do Hunter Thompson. Não use emojis.”
E voilá, nasceu seu texto.
Só não nasceu de você.
A IA não tem trauma de infância, não tem sotaque, não tem dia ruim.
Ela acerta a vírgula, mas erra o incômodo.
E é nesse ponto que a coisa complica:
Estamos criando uma geração de escritores sem voz
Gente que ensina como escrever, que tem posts virais, que ensina autenticidade… mas quando senta pra escrever, fala como um modelo de linguagem.
Não é questão de purismo, ou de negacionismo da IA.
É questão de autoria.
Rie Kudan, do vencedora do 170º Prêmio Akutagawa (maior prêmio literário do Japão), usou IA pra escrever cerca de 5% do seu romance — e assumiu isso publicamente.
Mas sabe qual a palavra-chave no seu processo?
Suporte.
Ela não terceirizou o processo.
Ela não pediu pra IA escrever no lugar dela.
Ela usou como espelho, não como máscara.
E o livro é dela.
O problema não é usar IA.
O problema é não saber quem está escrevendo
É publicar um texto, receber elogios… e não reconhecer nenhuma frase como sua.
É ganhar curtidas, mas perder a chance de ser ouvido de verdade.
Sabe aquela sensação quando você lê um texto e escuta a voz de quem escreveu?
Está ficando cada vez mais rara.
Porque encontrar sua voz na escrita exige tempo.
Ela precisa de silêncio, de dúvida, de rascunho malfeito. Precisa de páginas que doem e de frases que aliviam.
Um trecho do Eminem que sou fascinado é de uma de suas músicas menos famosas, Walk on Water:
And everyone who has doubt, remind
Now take your best rhyme, outdo it, now do it a thousand times
Now let 'em tell ya the world no longer cares
Or gives a fuck about your rhymes
And as I grow outta sight, outta mind, I might go outta mine
Pegue seu melhor verso, melhore-o e repita mil vezes — em vez de um processo, isso pode ser um prompt hoje em dia.
Comente EMINEM e receba o prompt que melhora seu texto mil vezes.
Outra ideia que sou fascinado é do Hemingway. De que “não há nada na escrita. Tudo que você precisa fazer é sentar-se diante da máquina de escrever e sangrar.”
Além de sabotar sua voz e seu próprio processo, a IA não sangra.
Nenhuma máquina vai cometer erros como eu, ou você.
Todo atalho cobra seu preço.
A morte da sua própria voz
No caso da IA, pode ser a morte da sua própria voz. Antes mesmo de se permitir encontrá-la.
Porque a escrita não é algo que se domina da noite pro dia, ou em um prompt.
Tanto que o próprio Hemingway cravou:
“Somos todos aprendizes em um ofício no qual ninguém jamais se torna mestre.”
— Ernest Hemingway
Aí vem o post motivacional, talvez escrito por IA, e pergunta:
— E você já pensou o que seria do Hemingway se ele tivesse acesso à IA? Quantos livros a mais ele teria escrito?
Talvez, ele nunca teria se tornado o Hemingway.
Livros como o Velho e o Mar não nascem de um input para o ChatGPT.
Textos como o do Hunter Thompson, também não.
Nem os versos do Eminem.
Se você me perguntar, diria para não terceirizar sua voz. Nem abandonar seu processo.
Pode funcionar hoje.
Mas amanhã, quando todo mundo estiver falando com o mesmo tom, quem vai ouvir o que você tem a dizer?
Tem tantas coisas pra dizer sobre esse texto, que não sei nem por onde começar rsrs
Também não sou contra a IA para otimizar a rotina e os processos. Mas, para quem escreve, como você falou, começa a ficar complicado. Acho que o problema é quando a IA entra no campo da arte: é um limite muito tênue entre ter suporte e abandonar a autoria. Será que a gente consegue não ultrapassar esse limite?
E mesmo sobre a otimização de processos... até que ponto eles deveriam ser otimizados. Aquilo a que damos mais valor não merece nosso tempo, esforço, dedicação?
Às vezes, demoro 40 minutos para escrever um pequeno texto. Eu mesma poderia escrever mais rápido, se me importasse menos. Ou poderia pedir para a inteligência artificial, para me ajudar a publicar o mais rápido possível. Mas os 40 minutos que passo aprimorando cada frase não são um reflexo do quanto me importo?
E outra coisa: por que a gente escreve? No mínimo, porque é o que a gente ama, né? Vamos abrir mão disso em nome do produtivismo?
Adorei. Fiz minha reflexão também falando sobre isso no Linkedin no contexto da minha profissão, o jornalismo. Não é preciso ter vergonha de usar IA, é preciso ter limite.