A era da adjetivação (e da nostalgia)
Power Rangers, "te amo, tubarão" e Recursos Humanos humanizados
Edições anteriores da Escreva sua Marca:
Como nasce uma campanha no LinkedIn (o trabalho que ninguém vê)
O podrão resolve (e a Síndrome de The Sims)
Marketing humanizado, conteúdo humanizado, escrita humanizada, produtividade humanizada, RH humanizado.
Recursos Humanos… humanizado.
Não sei se você reparou, mas estamos numa espécie de era da adjetivação.
É como se as áreas não funcionassem mais sozinhas. Elas precisam de um adjetivo e, muitas vezes, esse adjetivo é “humanizado”.
Só que humanizar, por definição, é tornar algo humano, certo?
Isso torna a moda de adjetivar setores ainda mais complexa.
Quando você diz, por exemplo, que seu marketing é humanizado, você implicitamente diz que os outros não são.
É um apontar de dedo sutil para outras pessoas, que não aderiram à mesma moda, para dizer que seu trabalho é desumano.
Aqui, podemos entrar num dilema.
Acusar outras pessoas da mesma área que você dessa forma seria “Marketing Humanizado”?
O próprio conceito nasce como um paradoxo para mim e, por isso, você raramente vai me ver adjetivar alguma área dessa forma.
Mas acho que essa adjetivação é um reflexo de que fomos longe demais em vários aspectos.
Em alguns casos, produtividade se tornou preencher cada minuto livre com mais trabalho; e marketing se tornou vender a qualquer custo.
Mas nunca foi o sentido original.
Então, não precisamos “humanizar” nada disso.
Só precisamos entender qual foi o ponto que passamos do limite, dar um passo atrás e dizer: é daqui que eu começo.
Se tem uma coisa que a cultura pop como um todo aprendeu que funciona é apelar para nostalgia.
Bel-Air resgata Um Maluco no Pedaço no Star+.
Incontáveis remakes no cinema.
A música popular brasileira de hoje em dia — aquela que viraliza no TikTok — transformou o hit “Olha a Onda” do Tchakabum, dos anos 2000, em “te amo, tubarão”.
E a Netflix, então, não se cansa de usar e abusar da nostalgia.
Stanger Things mesmo explorou tanto a nostalgia que, em sua última temporada, trabalhou até com a nostalgia dela própria ao resgatar inúmeros acontecimentos dos anos anteriores.
Mais recentemente, That ‘90s Show bebe diretamente da fonte de That ‘70s Show, que foi um sucesso nos anos 90.
E o mais novo apelo à nostalgia vem aí.
“Power Rangers: Agora e Sempre” traz os atores originais de volta ao papel para tentar superar a tragédia que o remake de 2017 com atores novos.
Diante de tantos remakes nostálgicos, meu sentimento é agridoce.
Por um lado, o gosto de infância volta forte (especialmente com os Power Rangers) e traz junto a curiosidade desse reencontro.
Por outro, a preferência por algo novo fala alto.
Será mesmo que precisamos tanto de novas versões?
Esse resgate ao passado é porque tem muita coisa boa que merece ser revisitada? Ou é um misto de falta de criatividade com trabalhar com sucessos mais prováveis?
1. Quantas vezes você já viu alguém discordar de um discurso famoso de uma figura famosa? Estamos tão acostumados a aplaudir pessoas assim que é raro encontrar alguém que ouse discordar delas.
Foi sobre isso que a Djane falou neste post aqui, com direito a uma bagagem maravilhosa de referências. Steve Jobs, Simon Sinek, Cal Newport, Bill Burnett e Dave Evans citados num único post.
2. Descobri essa semana que a Natalia traz um resumo do que ela viu de mais importante sobre social media, conteúdo e influência, com um post curto e vários links, para podermos beber na fonte. Se o assunto te interessa, vale conferir.
3. Um exercício de criatividade que envolve ficar uma semana sem ler. Será que faz sentido? A Nathália contou sobre sua experiência com esse desafio aqui.
Um spoiler.
O texto sobre a Era da Adjetivação foi um roteiro que escrevi para um reels que ainda será editado e virá pro mundo em breve.
Acabei gostando muito do texto e da discussão, e fiz questão de trazê-lo pra cá. Só a ideia do paradoxo que surgiu depois. Então, você não verá “paradoxo” nesse reels.
Muito reflexivo, excelente ponto de vista! Não tinha pensado por esse lado antes. Talvez adjetivar se tornou “tóxico” (outra palavra muito usada)
Gostei muito da reflexão, Dimi. Acho que a gente tende a exagerar mesmo quando se trata de inventar novos termos para coisas que já existem há muito tempo.
Uma curiosidade: fiz minha dissertação de mestrado sobre jornalismo literário, e uma das características desse estilo (não sou eu que estou dizendo, e sim os teóricos do assunto) é justamente a humanização rsrs. Fui pesquisar um pouco mais e descobri que a palavra humanização começou a ser mais amplamente utilizada primeiro na área da saúde. Para diferenciar um atendimento com um olhar um pouco mais "atencioso" (pra não falar humanizado de novo) de um atendimento que encara o paciente como só mais um. Interessante, né?
Transferindo isso para o jornalismo literário, acho que é tentar conversar com seu leitor de forma que ele não se sinta só mais um. O mesmo vale para a persona de uma campanha, eu acho.